Raimundo Fagner x Caetano Veloso: histórica batalha de egos na música popular brasileira!
Eles marcaram para sempre a música popular brasileira - cada qual com um estilo peculiar - e conquistaram uma legião de admiradores no decorrer de suas longevas carreiras. O primeiro, Raimundo Fagner Cândido Lopes, é cearense de Orós. O segundo, Caetano Emanuel Vianna Teles Veloso, baiano de Santo Amaro da Purificação. Ambos poderiam ter compartilhado o sucesso e se tornado amigos e parceiros musicais. No entanto, tornaram-se protagonistas de uma lendária briga, iniciada ainda nos anos 70 e que perdura até os dias atuais. Segundo Fagner, a briga iniciou-se no dia em que Caetano o chamou a sua casa, juntamente com outros convidados, e se recusou a cantar, alegando cansaço. Fagner, em início de carreira, tomou posse do violão, fez um verdadeiro show e foi aplaudido sucessivas vezes pelos convidados. Caetano teve um acesso de ciúmes e fechou a cara. A situação piorou ainda mais quando, tempos depois, Caetano virou as costas a Fagner quando este conversava com Nara Leão, colocando-se entre os dois. Fagner jamais colocou os pés novamente na casa do baiano, que tachou publicamente o cearense de mau compositor e mau caráter, e só se refere a ele como "titica de galinha".
Fagner acredita que exista algo mais nessa briga do que a simples explosão de duas estrelas de temperamento forte. Ele acha que, na verdade, o que há são maneiras diferentes de ver a música. "A tropicália é uma ditadura cultural. Morreu há muitos anos. Era um som americano, cheio de reggae. Não foi fácil sobreviver à barreira cultural que eles armaram, que é pior do que a censura. (...) Caetano não é o malandro que pensa que acredita ser: é um ingênuo chegando às raias de otário. Só é esperto na música dele".
Em outubro de 2005, quando da ocasião de uma entrevista à Revista Veja, Fagner falou sobre outra briga que teve com Caetano: "(...) eu morava no Rio e era começo dos anos 80. Estávamos eu, Roberto Carlos e ele preparando uma canção para o 'Nordeste já'. Foi uma mobilização de artistas para angariar fundos para o Nordeste, que havia passado por uma seca enorme. O Roberto, com aquele jeito apaziguador, começou a falar como era legal o fato de eu e Caetano estarmos juntos, depois de brigarmos tanto. Daí, Caetano foi se lembrando das brigas e se zangando. Eu sabia que ele estava com fome e fui à cozinha fazer alguma coisa para ele comer. Mas na minha geladeira só tinha ovo. Fiz o ovo e vinha vindo com ele para dar ao Caetano, mas ele continuou falando, falando, querendo confusão. Bom, terminei entrando no pau e jogando o ovo de Caetano no chão. Ele sabe que, comigo, é no tapa". Nessa mesma entrevista à Revista Veja, Raimundo Fagner complementa: "(...) tem uma história que diz que baiano não 'nasce', baiano 'estréia'. E Caetano tem um problema de ego: quer sempre aparecer. Quando não tem assunto, vai à mídia e diz que é melhor que o Chico Buarque e o Milton Nascimento juntos".
Em setembro de 2006, Fagner falou ao programa Fantástico, da Rede Globo, como resposta a Caetano, o qual, três semanas antes, havia tachado o cearense de "besta" no mesmo programa: "eu aprendi a rebeldia com ele. Quem inventou a rebeldia no Brasil? Caetano Veloso. As duas coisas de que mais Caetano gosta são: ser elogiado pelo New York Times - que é muito mais importante do que uma crítica no Brasil, que ele menospreza - e esperar eu falar mal dele. São as duas coisas de que mais Caetano gosta! Agora, como ele fala tanto na terra dele, Santo Amaro da Purificação, como eu falo de Orós, ele podia dar um jeitinho lá, porque é uma cidade fantasma, uma cidade horrível. (...) Tenho uma sugestão muito boa: a gente gravar um disco. É muito melhor do que esse bate-boca".
A verdade é que, no saldo de toda essa batalha de egos, o cantor Raimundo Fagner sai vitorioso: houve uma época em que o cearense reinou absoluto na MPB por pelo menos seis anos, ficando atrás somente do rei Roberto Carlos em vendagem de discos. Lançou, seguidamente, quatro discos que curvaram a imprensa a seus pés e que são de extrema importância na sua carreira e na história da música brasileira: "Eu canto [quem viver chorará]" (1978), "Beleza" (1979), "Vento Forte" (1980) e a obra-prima "Traduzir-se" (1981). Esses discos contêm mega-sucessos como "Revelação", "Noturno", "Frenesi", "Eternas ondas" e "Fanatismo", que tomaram conta das rádios na época e lideram os pedidos do público até hoje em seus shows. Mesmo quando começou a corromper seu estilo, a partir do disco "A mesma pessoa" (1984), migrando da fase mais intelectualizada para a fase popularesca, Fagner perdeu o respeito da crítica, mas aumentou ainda mais o seu público e continuou a vender muitíssimos discos. São dessa fase os álbuns: "Romance no deserto" (1987), que trazia o mega sucesso brega "Deslizes", música certa até hoje no repertório de todos os tecladistas de churrascaria; "O quinze" (1989), que contou com os sucessos "Retrovisor" e "Amor escondido", este incluído na trilha sonora da novela Tieta, da Rede Globo; e, por fim, o disco "Pedras que cantam" (1991), cuja faixa-título também foi tema de novela da globo, e trazia o estrondoso hit cafona "Borbulhas de amor", versão em português da canção "Borbujas de amor", de Juan Luís Guerra. Cabe ressaltar uma coisa: entre 1984 e 1987, Raimundo Fagner gravou dois ótimos discos com o rei do baião Luiz Gonzaga, os quais também tiveram êxito de vendas. Somente após o disco "Pedras que cantam" (1991) é que Fagner passou a fazer discos inexpressivos tanto para a crítica quanto para o público. A partir de 1992, deu-se o seu ócio criativo, mas ainda assim, ele teve algumas músicas bastante executadas em rádios, como "Lembrança de um beijo" (1994) e "Espumas ao vento" (1997), composições de Aciolly Neto pinçadas do repertório de Flávio José, forrozeiro paraibano que faz um enorme sucesso no Nordeste. No início da década de 2000, Fagner voltou à tona novamente com discos ao vivo de releituras de sucessos e outro gravado com o maranhense Zeca Baleiro, que trouxe o sucesso "Dezembros", tema de Reynaldo Gianechinni na novela "Da cor do pecado" (2002). Recentemente, o cearense gravou um CD intitulado "Fortaleza", que conta com a participação do onipresente Jorge Vercillo numa das faixas, mas está muito longe de ter a força e a genialidade de um disco como "Beleza" (1979).
Revista Veja - Ed. 1928 (26/10/2005)
http://www.globo.com/fantástico
Montagem/ilustração: Paulo Simões
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